Em um mundo cada vez mais conectado, onde smartphones, televisões e até aspiradores de pó ganham vida própria, a pergunta que não quer calar é: nossos dispositivos inteligentes podem nos espionar? A resposta dos especialistas é um misto de 'sim, é possível' e 'depende de como você usa e de quem faz'.
Milhões de pessoas no Brasil têm uma casa inteligente ou usam aparelhos que coletam informações sem parar. Relógios conectados, assistentes de voz e câmeras prometem deixar a vida mais fácil, mas essa coleta contínua de dados levanta uma preocupação gigante sobre a privacidade. Lembre-se do caso de outubro de 2024, quando aspiradores-robô Ecovacs Deebot X2 foram invadidos nos Estados Unidos. Os criminosos conseguiam ver o que acontecia dentro das casas e até gritar com os donos através dos robôs.
O que são esses aparelhos espertos e a 'Internet das Coisas'?
Para entender o risco, primeiro precisamos saber o que são esses dispositivos. Rafael Franco, especialista em tecnologia da informação e CEO da Alphacode, explica que um dispositivo inteligente é qualquer aparelho que coleta e processa dados, se comunicando com outros sistemas pela internet. Isso inclui desde seu celular e sua smart TV até sensores de fábrica e aplicativos do trabalho, porque todos eles lidam com seus dados e se conectam à nuvem.
Thiago Santos, Head de Produto da Portão 3, completa que o grande diferencial desses aparelhos está em coletar informações sem parar e agir com base nelas, muitas vezes sem que a gente precise fazer nada. Sensores, conectividade e inteligência artificial se juntam para tomar decisões sozinhas, tornando tudo mais personalizado para a nossa rotina, como explica Thiago Guedes Pereira, especialista em Tecnologia e CEO da DeServ.
A 'Internet das Coisas', ou IoT, é o nome dado a essa grande rede que conecta tudo: desde sua lâmpada inteligente até uma máquina na fábrica. É ela que permite o controle à distância, a automação e o monitoramento constante. Thiago Santos detalha que esses aparelhos pegam dados do dia a dia – sua voz, imagens, localização ou como você os usa – e mandam para a 'nuvem'. Lá, programas especiais trabalham com essas informações e mandam de volta respostas automáticas, como alertas, ajustes ou recomendações.
Quais são as portas de entrada para quem quer espionar?
As falhas não estão só nos aparelhos em si, mas em todo o sistema por trás deles. Rafael Franco aponta problemas como sistemas de comunicação sem proteção (APIs), senhas fracas, falta de criptografia (que codifica os dados) e dados sensíveis guardados de forma errada. Thiago Santos adiciona que muitas vezes as pessoas não trocam as senhas de fábrica, não atualizam os programas dos aparelhos e usam protocolos de segurança antigos – tudo isso abre brechas para criminosos.
Já vimos casos reais de invasões: o programa malicioso Mirai, por exemplo, usou senhas padrão para infectar câmeras e roteadores. O BadBox 2.0 comprometeu milhões de aparelhos Android, incluindo TVs, por meio de softwares maliciosos que já vinham instalados. Thiago Guedes Pereira ainda alerta sobre falhas em comunicações sem criptografia e a falta de separação entre as redes dos dispositivos, o que facilita ataques massivos ou invasões domésticas, como a dos aspiradores-robô nos EUA.
Aparelhos smart podem mesmo nos espionar?
Embora a palavra 'espionagem' possa parecer um exagero, os especialistas confirmam: o risco existe. Rafael Franco esclarece que todo aplicativo coleta dados, e o importante é saber como, por que e com que clareza isso acontece. Thiago Santos explica que, na maioria das vezes, o monitoramento contínuo está nas letras miúdas dos 'termos de uso' que a gente quase nunca lê. O problema começa quando há muita coleta, falhas de segurança ou quando a empresa não é transparente sobre o uso dos dados.
Thiago Guedes Pereira afirma que, tecnicamente, a espionagem é possível e já aconteceu: câmeras e microfones podem ser ativados sem nossa permissão, nossos hábitos podem ser explorados e programas maliciosos podem tomar o controle dos dispositivos. É por isso que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) exige que os fabricantes pensem na segurança desde o início do projeto do produto, no que chamamos de 'privacy by design'. Se algo der errado e seus dados vazarem, a empresa pode ser responsabilizada e sofrer punições.
Como você pode se proteger?
A segurança dos dispositivos inteligentes é uma responsabilidade compartilhada, mas você pode fazer a sua parte. Thiago Santos recomenda algumas ações práticas:
- Troque as senhas de fábrica: Sempre. Não deixe a senha padrão.
- Mantenha tudo atualizado: O 'firmware' (o sistema interno do aparelho) e os aplicativos devem estar sempre com a versão mais recente.
- Revise as permissões: Cuidado com quais aplicativos podem usar sua câmera, microfone e localização.
- Rede separada para IoT: Se puder, crie uma rede Wi-Fi só para seus aparelhos inteligentes, separada da sua rede principal.
Thiago Guedes Pereira complementa com outras dicas importantes:
- Autenticação de dois fatores: Use essa proteção extra sempre que possível para acessar suas contas.
- Atualize seu roteador: Ele é a porta de entrada da sua casa na internet.
- Desative o que não usa: Se um recurso, como uma câmera, não está sendo usado, desative-o.
- Cuidado onde instala: Pense bem antes de colocar câmeras e microfones em locais muito íntimos da casa.
Os especialistas concordam: fabricantes precisam garantir proteção e transparência, e nós, usuários, devemos ter práticas básicas para proteger nossos dados e reduzir os riscos.

